Duas entrevistas com Grof

 

 

grof

 

Roma, 29 de Novembro de 2006, 1ª Conferência Internacional “O homem do terceiro milénio: conhecimento, crescimento pessoal, evolução espiritual, visto de acordo com a ciência”, organizada pela Fundação “Kerberos Research Institute”. Grof é um dos convidados, juntamente com a sua esposa Christina, e dirige um seminário com o fascinante título: “Uma viagem através do imaginário: imagens e simbolismo de uma morte e renascimento psico-espiritual”.

No grande ecrã da sala aparece um desenho feito por um participante  de uma sessão de respiração “holotrópica” que retrata uma tarântula negra gigante devorando uma mulher deitada, toda enrolada como uma múmia: vítima indefesa da Grande Mãe Devoradora.

Não tinha dúvidas sobre a didponibilidade de Grof de me dar uma entrevista para o “Jornal Histórico” mas, olhando para a fila de pessoas à sua volta, receava não conseguir chegar em tempo. Conheci um colega brasileiro, Álvaro Jardim, que veio do Brasil especialmente para a conferência, convidado por Roberto Fabbroni, director científico da Kerberos. Também ele é psicólogo transpessoal, formado com Grof, e professor universitário no Brasil. Falamos longamente, comparando as nossas experiências e formação. A sua esposa, Dora, também psicoterapeuta, está presente na conferência. Dora conta-me a diferença na recepção dos brasileiros para Grof: “Aqui todos ficam educadamente na fila, à espera da sua vez de falar com ele, compostos e desprendidos… se estivéssemos no Brasil… seria uma verdadeira barulheira, não sei quantas câmaras estariam apontadas para ele, todos queredo fotografá-lo, quem o chama, quem o abraça… Grof é uma verdadeira estrela no Brasil”! “Ou talvez sejam os brasileiros que são mais expansivos nas suas manifestações”, eu digo… Álvaro acrescenta, sorrindo: “Sabe qual foi o comentário de Grof sobre o acolhimento que recebeu no Brasil?”: “Sinto-me como Michael Jackson no Japão!

A fila desbastou, se me aproximar agora, talvez consiga… Grof me diz, sorrindo, para esperar  um momento. Ele se afasta mas volta logo a seguir. Lá está ele! Agora ele é todo ouvidos. Eu ligo o gravador e iniciamos:

 

grof2

Virginia Salles entrevista Stanislav Grof

 

Virginia Salles: – Os acontecimentos da experiência holotrópica são tão extraordinários e impactantes que temos o desejo de os comunicar a todo o mundo. Mas porque é tão difícil e complexa a comunicação entre psicologia transpessoal e psicologia tradicional? Como comunicar este tipo de experiências? O tema deste número do “Jornal Histórico” é “psicologia e comunicação”. Gostaria de saber algo sobre a comunicação entre estas duas diferentes psicologias (transpessoal e tradicional).

Stanislav Grof: – É particularmente difícil compreender o que acontece na respiração holotrópica, é preciso experimentá-la. Observámos algumas coisas comuns e outras diferentes entre as pessoas quando elas vêm para um seminário ou  iniciam um treino de respiração holotrópica. Depois de terem a experiência, nòs a ensinamos a comunicá-la na sua cultura. É preciso ter muito cuidado na maneira com a qual os participantes o descrevem, caso contrário as outras pessoas não conseguem compreender. Assim,  vivem numa cultura indígena, por exemplo, essa cultura tem uma visão do mundo, mitologia e filosofia que pode realmente absorver estes estados não habituais de consciencia. Assim, as pessoas que participaram a um ritual ou algo desse tipo e que têm esse tipo de experiência vêem-na validada pelo que a sua cultura acredita. Ao mesmo tempo, a sua experiência reforça a ligação à sua cultura. Na nossa cultura, por outro lado, as pessoas têm dificuldade em compreender e comunicar porque são ingénuas em relação a este mundo experiencial. Simplesmente não compreendem, porque as experiências que têm não são apoiadas por um conjunto de mitos e crenças que as validam, de uma forma que se desviam da sua cultura… foi isto que aconteceu nos anos sessenta, quando as pessoas daquela geração teve experiências psicodélicas que as levaram a ter ideias e percepções muito diferentes da cultura dominante e as isolaram da sociedade.

  • S.: – Por que razão, na Itália em particular, é tão difícil comunicar com a psicologia tradicional?
  • G.: – É difícil em geral, não só na Itália, a comunicação entre a psicologia transpessoal e a psicologia tradicional, académica e psiquiátrica. Isto porque as visões do mundo são completamente diferentes, os modelos da psique são completamente diferentes. Na psicologia e psiquiatria tradicionais somos condicionados por um modelo de psique limitado à biografia pós-natal.
  • S.: – Eu nasci no Brasil. No meu país são muito abertos à psicologia transpessoal e isto acontece também no campo académico. Como assim?
  • G.: – As pessoas do seu paìs pertencem a um mundo diferente, mas aqui a psicologia académica e a psiquiatria têm um modelo do cérebro visto como um hardware informático, cujo software é a biografia pós-natal, e eles acreditam que não há nada para além disto. A psicologia transpessoal expandiu grandemente este modelo para incluir, naturalmente, tanto o período biográfico como os períodos pré-natais e perinatais, tendo assim explodido o modelo da psique para a esfera transpessoal. Pode-se ter experiências de identificação com outras pessoas, experiências de outras vidas, de arquétipos, de séculos passados, de outras culturas, experiências que a psicologia tradicional e a psiquiatria consideram como provenientes de uma patologia.
  • S.: – Como vê o futuro da psicologia?
  • G.: – Da psicologia transpessoal ou da psicologia em geral?
  • S.: – De psicologia em geral.
  • G.: – Penso que há experiências, provas, observações mais do que suficientes que emergiram do trabalho com estados de consciência não habituais que, se fossem sistematicamente estudadas, levariam a uma revolução comparável à que aconteceu aos físicos nas primeiras duas décadas do século XX, quando passaram da física newtoniana à física relativista e depois à física quântica. É extraordinário o que os físicos foram capazes de fazer, de mudar o modo de pensar. Da mesma forma, com todas as provas que têm sido produzidas ao longo do tempo, a psicologia poderia fazer o mesmo. O que quero dizer é que as provas já estão là e se as pessoas que as observam tivessem uma mente suficientemente aberta, a revolução aconteceria automaticamente.
  • S.: – Uma última pergunta: quando há sincronicidade, significa que estamos no caminho certo?
  • G.: – Bem, a este respeito descrevo, no meu livro, alguns episódios que remontam à época em que comecei a estudar estados não habituais de consciencia e a sincronicidade começou a estar presente. De acordo com a sua qualidade, podemos nos sentir espiritualmente elevados, ter a sensação explosiva de ser privilegiado, de estar diante de um acontecimento especial, de ser objeto de atenção de um guia fora do comum. Pode haver sincronicidades que levam a ideias paranóicas. Isto acontece quando as pessoas que as experimentam não mantêm uma posição neutra e desligada. Eu diria que não se deve tomar decisões com base em sincronicidades que tenham ocorrido em estados não habituais de consciencia até que se tenha feedback na realidade ordinária.
  • S.: – Quando é que o impossível acontece?
  • G.: – Não é uma questão, mas uma afirmação. O meu livro é sobre histórias em que o impossível acontece.
  • S.: – E continua a acontecer?
  • G.: – Claro, acontece a toda a hora.

Álvaro Jardim e Carmen Maciel entrevistando Stanislav Grof 

Publicada por Giovanni Fioriti Editore, em Roma, na Itália, no Giornale Storico del Centro Studi di Psicologia e Letteratura, Vol. 3, aprile 2007, fascicolo 4, Psicologi(a) e Comunicazione, p. 259, com o título Due interviste a Stanislav Grof, a cura di Virginia Salles, Álvaro Jardim e Carmen Maciel.

Tradução de Álvaro Jardim

O que a Psicologia Transpessoal e o seu trabalho trouxeram para a psicologia como ciência? e o seu trabalho trouxeram para a psicologia como ciência?

O famoso psicólogo americano Abraham Maslow chamou a Psicologia Transpessoal de a Quarta Força em psicologia, que se seguiu ao comportamentalismo, à Psicanálise Freudiana e à Psicologia Humanista. Na primeira metade do século, a psicologia americana e européia e a psiquiatria foram dominadas, exclusivamente, pelo comportamentalismo e pela psicanálise. A Psicologia Humanista, fundada por Abraham Maslow e Anthony Sutich, surgiu como uma reação às inadequações e limitações destas duas primeiras forças.

A Psicologia Humanista corrigiu a tendência do comportamentalismo, em ignorar a consciência e a introspecção e formular teorias sobre a psique humana, exclusivamente, através de observações do comportamento, particularmente, em relação ao comportamento dos animais, tais como ratos e pombos. A Psicologia Humanista, também, enfatizou a necessidade de ir além da tendência da análise Freudiana, de manipular todos os dados do estudo da psicopatologia e incluiu indivíduos normais e supranormais como assuntos de pesquisa.

O foco do estudo humanístico foram os valores humanos mais elevados e a tendência em perseguir os “metavalores” de Maslow e “metamotivações”, lidando com o que Maslow chamou “auto-atualização” e “autorealização”. A Psicologia Humanista também sustentou uma ampla abertura, para o desenvolvimento de uma nova forma revolucionária de psicoterapias, chamadas “terapias experienciais”, tais como a prática da Gestalt, bioenergética ou técnica de Alexander.

A Psicologia Transpessoal ainda adicionou, então, uma outra dimensão, ao 1 reconhecer a espiritualidade como um outro aspecto importante e legítimo da psique humana. Esta é uma diferença radical da psicologia acadêmica, que destitui a espiritualidade de alguma forma e de algum nível de sofisticação e a caracteriza como superstição, pensamento mágico primitivo, imaturidade emocional ou patologia. Um outro importante aspecto da Psicologia Transpessoal é que ela estuda o espectro inteiro da experiência humana, incluindo os estados incomuns de consciência, particularmente, várias formas de experiências místicas.

A Psicologia Transpessoal foi profundamente influenciada pelas experiências e observações dos estudos de estados incomuns de consciência, tais como aqueles que ocorrem durante práticas xamânicas, ritos aborígines de passagem, os mistérios antigos de morte e renascimento, sessões psicodélicas e várias formas de práticas espirituais (incluindo diferentes escolas de ioga, Budismo, Taoísmo, Sufismo, misticismo Cristão, etc.). E aí é onde entra meu próprio trabalho.

Minha contribuição para a Psicologia Transpessoal, além de dar o nome “transpessoal”, vem de quatro décadas de exploração sistemática do potencial terapêutico, transformativo e evolucionário dos estados incomuns de consciência. Fiquei, aproximadamente, a metade deste tempo, conduzindo terapia com substâncias psicodélicas, primeiro na Checoslováquia, no Instituto de Pesquisa Psiquiátrica, em Praga, e depois nos Estados Unidos, no Maryland Psychiatric Research Center, em Baltimore, onde participei do último programa americano sobrevivente de pesquisa psicodélica. !Desde 1975, trabalho com a respiração holotrópica, um poderoso método de terapia e auto-exploração, que desenvolvi, juntamente com minha esposa Christina. Através dos anos, também apoiei muitas pessoas, passando por crises psicoespirituais ou “emergências espirituais”, como Christina e eu as chamávamos. O denominador comum destas três situações é que elas envolviam estados incomuns de consciência ou, mais especificamente, uma importante subcategoria delas, que denominei holotrópico. Em terapia psicodélica, estes estados são induzidos pela administração de substâncias ou plantas, que alteram a mente. Na respiração holotrópica, a consciência é mudada pela combinação de respiração mais rápida e profunda, música evocativa e liberação de energia, através de trabalho corporal. Em emergências espirituais, os estados holotrópicos ocorrem espontaneamente, no cotidiano e sua causa é usualmente desconhecida.

Somando-se a outras atividades, também, tenho me envolvido, de modo mais periférico, com muitas disciplinas que são, mais ou menos, diretamente relacionadas ao estados incomuns de consciência. Tenho participado de cerimônias sagradas de culturas nativas em diferentes partes do mundo, tenho tido contato com xamãs norte-americanos, mexicanos e sul-americanos e troquei informações com muitos antropólogos. Também tenho tido intenso contato com 2 representantes de várias disciplinas espirituais, incluindo o Budismo Vipassana, Zen, Vajrayana, Siddha Yoga, Tantra e a Ordem Cristã Beneditina.

Uma outra área, que tenho dedicado bastante atenção, tem sido a tanatologia, uma jovem disciplina que estuda experiências próximas da morte e aspectos psicológicos e espirituais da morte e do morrer. Eu participei, no final dos anos 60 e no início dos anos 70, de um amplo projeto de pesquisa, estudando os efeitos da terapia psicodélica, em indivíduos terminais com câncer. Eu poderia também acrescentar, que tenho tido o privilégio de conhecer pessoalmente e de ter tido experiências com alguns dos grandes físicos e parapsicólogos de nossa era, pioneiros de pesquisa da consciência em laboratório e terapeutas, que desenvolveram e praticaram formas poderosas de terapias experienciais, que induzem estados incomuns de consciência.

Após todos esses anos de estudo de várias formas de estados incomuns de consciência, eu concluo que as experiências e observações desse trabalho mostram uma urgente necessidade de uma revisão profunda do nosso pensamento em psiquiatria, psicologia e psicoterapia. A profundidade e alcance desta revisão poderiam ser comparados com o que aconteceu na física, nas primeiras três décadas do século XX – a mudança da física Newtoniana para a teoria da relatividade e então para a física quântica. Eu escrevi sobre estas implicações em meu último livro, “Psicologia do Futuro: Lições de Pesquisa da Consciência Moderna”.

Você e sua esposa desenvolveram um método de terapia de auto-exploração, que denominaram respiração holotrópica. Você poderia descrevê-lo?

A respiração holotrópica é um método que utiliza o potencial transformativo e de cura dos estados incomuns de consciência. Ele induz esses estados através da combinação de meios muito simples – respiração acelerada, música evocativa e técnica de trabalho corporal, que ajudam a dissolver bloqueios residuais bioenergéticos e emocionais. Esse método provê acesso para muitos níveis profundos da psique inconsciente, tais como memórias reprimidas da infância e adolescência, nascimento e período perinatal e mesmo um espectro completo de experiências, que denominamos transpessoal – estados místicos, experiências de vidas passadas, encontros com figuras arquetípicas, visitas aos domínios mitológicos da psique e outros. Nessa teoria e prática o trabalho de respiração holotrópica trás junto e integra vários elementos das tradições antigas e aborígines, filosofia espiritual oriental e psicologia profunda do ocidente.

Em quais casos a respiração holotrópica pode ajudar e quando não poderia trazer benefícios?

 A respiração holotrópica não poderia influenciar problemas mentais e emocionais que têm, claramente, causa orgânica, de base biológica, tais como infecções cerebrais, processos cardiovasculares, degenerativos ou tóxicos. Ela tem também rigorosas contra-indicações, tais como problemas cardiovasculares sérios, doenças debilitantes, gravidez ou epilepsia. Em caso de sérios problemas emocionais, a respiração holotrópica pode ser utilizado no contexto do relacionamento terapêutico, com cuidados residenciais disponíveis 24 horas por dia.

Olhando para o lado positivo, nós temos visto, através dos anos, numerosos exemplos de participantes, nos workshops e nos treinamentos, serem capazes de saírem da depressão, que conviviam nos últimos anos, superarem várias fobias, libertarem a si próprios dos sentimentos irracionais que os consumia e, radicalmente, melhorarem sua auto-estima e autoconfiança. Temos, também, sido testemunhas, em muitas ocasiões, do desaparecimento de severas dores psicossomáticas, incluindo enxaquecas e observamos melhoras radicais e duradouras ou mesmo completo desaparecimento da asma psicogênica. Em muitas ocasiões, os participantes dos treinamentos ou de workshops comparam, favoravelmente, seus progressos, em várias sessões de respiração holotrópica, a anos de terapia verbal.

Quando falamos sobre a avaliação da eficácia das formas poderosas de psicoterapia experiencial, tais como trabalho com psicodélicos ou de respiração holotrópica é importante enfatizar certas diferenças fundamentais entre essas abordagens e as formas de terapias verbais. A psicoterapia verbal, freqüentemente, se estende por um período de anos e o mais excitante resultado são raras exceções além do habitual. Quando ocorrem mudanças dos sintomas, elas ocorrem em uma ampla escala de tempo e é difícil provar sua conexão causal com eventos específicos relativos à terapia ou ao processo terapêutico, em geral. Por comparação, em uma sessão psicodélica ou de respiração holotrópica, mudanças poderosas podem ocorrer no período de poucas horas e podem estar ligadas de forma convincente à experiência específica.

As mudanças observadas na terapia holotrópica não estão limitadas às condições tradicionalmente consideradas emocionais ou psicossomáticas. Em muitos casos, as sessões de respiração holotrópica levam a um aumento dramático das condições físicas, que nos manuais médicos são descritos como doenças orgânicas. Ocorrem mudanças de melhora nas infecções crônicas (sinusite, faringite, bronquite e cistite), após desbloqueio bioenergético, abrindo a circulação sanguínea nas áreas correspondentes. Fica sem explicação, para os nossos dias, a solidificação de ossos em uma mulher com osteoporose, que ocorreu no treinamento de respiração holotrópica. 4

 Nós temos visto também a reconstituição de toda a circulação periférica em várias pessoas sofrendo de doença de Raynaud, um distúrbio que envolve frieza nas mãos e nos pés acompanhadas de uma mudança distrófica da pele. Em várias ocasiões, a respiração holotrópica leva a notável melhoria da artrite. Em todos esses casos, o fator crítico que conduz a cura parece ser a liberação de excessivos bloqueios bioenergéticos na parte afetada do corpo, seguida de vasodilatação. A mais espantosa observação nessa categoria foi a dramática remissão de sintomas avançados de artrite Takayasu, uma doença de etiologia desconhecida, caracterizada pela oclusão progressiva das artérias na mais alta parte do corpo. Sua condição é usualmente considerada progressiva, incurável e potencialmente letal.

Em poucas ocasiões, o potencial terapêutico da respiração holotrópica foi confirmado em estudos clínicos conduzidos por praticantes que tinham sido treinados por nós e que de forma independente usam este método em seus trabalhos. Temos também tido, em muitas ocasiões, a oportunidade de receber feedback informal de pessoas, anos após a melhora ou desaparecimento de seus sintomas emocionais, psicossomáticos e físicos, após sessões de respiração holotrópica em nosso treinamento ou em nossos workshops. Isto tem nos mostrado que as melhoras advindas das sessões de respiração holotrópica são freqüentemente duradouras. É previsto que a eficácia deste método interessante de terapia e auto-exploração será no futuro confirmado pela bem desenvolvida pesquisa clínica.

 

Qual tem sido o impacto de suas idéias no meio científico? 

Meu trabalho tem sido recebido de forma muito entusiástica em certos círculos científicos. Surpreendentemente, as primeiras respostas positivas vieram principalmente dos físicos quântico-relativistas, de pessoas como Fritjof Capra, Fred Wolf, Saul Paul Siraq, Nick Herbert, David Bohm e mais recentemente Amit Goswami. Esses cientistas são conhecedores do fato que a velha filosofia materialista monística e a imagem Cartesiana Newtoniana do universo da ciência acadêmica dominante estão irremediavelmente fora de época.

Minhas idéias têm também sido muito positivamente aceitas pelos cientistas de vanguarda, representantes de várias outras disciplinas do novo paradigma – biologia, abordagem holográfica do cérebro, teorias de sistemas, tanatologia, parapsicologia, etc. A maior resistência vem dos círculos acadêmicos que são geralmente fechados para todas essas novas correntes na ciência. Muitos cientistas tradicionais perseveram em paradigmas superados de modo que podem ser melhor chamados “cientificismo” do que ciência. Suas atitudes 5 parecem abordagens fundamentalistas utilizadas em religiões; eles já maquiaram suas mentes sobre o que o mundo parece ser e são completamente inacessíveis às evidências de qualquer espécie ou alcance.

Existe algo muito estimulante descoberto pelas pessoas do movimento transpessoal. Nas últimas várias décadas, sempre que ocorria algum avanço científico, ele sempre provou ser uma surpresa chocante para os representantes do velho pensamento, mas tem sido bem-vindo e abraçado pelos psicólogos transpessoais como compatíveis com suas próprias descobertas. Isto aconteceu com as implicações filosóficas dos físicos quântico-relativistas, com o modelo holográfico do cérebro de Karl Pribram, com a teoria do holomovimento de David Bohm, com a teoria das estruturas dissipativas de Ilya Prigogine, com o conceito de campos morfogenéticos de Rupert Sheldrake, com o campo psi de Ervin Laszlo e muitos outros. Se esta tendência continuar, em pouco tempo os novos pensamentos poderiam ganhar suficiente sustentação. Eu certamente espero que aconteça, antes que seja tarde demais. Pode ser nossa única real esperança na crise que vivemos em nosso mundo conturbado.

Porque você atribui atenção especial aos temas espirituais em seu trabalho?

Minha pesquisa da consciência tem me convencido que a espiritualidade é não somente uma muito real e legítima dimensão da psique humana e da ordem universal, mas também uma dimensão de importância crítica. Em seu livro “The Natural Mind”, Andrew Weil, um bem conhecido médico americano, expressou a opinião que a necessidade de viver uma experiência mística é a mais poderosa condutora da psique humana, muito mais poderosa que a sexualidade, que tem sido tão fortemente enfatizada pelos psicanalistas freudianos.

E eu não posso concordar mais. Acredito que essa atitude corrente, em direção à espiritualidade, descobriu um sério e trágico erro na ciência materialista de hoje e na psicologia moderna. A civilização industrial ocidental está pagando um pesado preço por ter rejeitado e perdido a genuína espiritualidade. Acredito na probabilidade de que este fator é uma das principais razões da crise global de hoje; o ateísmo, formado pela ciência materialista, contribui, de modo significante, para que a humanidade moderna siga um curso destrutivo e suicida.

Há algum modo científico para abordar a espiritualidade?

Isso é exatamente o que a psicologia transpessoal está tentando fazer – mostrar que a ciência e espiritualidade não são incompatíveis, mas são duas abordagens complementares para a compreensão da realidade. A Psicologia Transpessoal é uma disciplina que integra a ciência e espiritualidade, filosofia oriental e 6 pragmatismo ocidental, antiga sabedoria e ciência moderna. Mas para sermos hábeis para fazer isso, temos que diferenciar claramente espiritualidade de religião e ciência de cientificismo.

A espiritualidade está baseada em experiências diretas de dimensões e aspectos incomuns da realidade. Ela não requer um lugar especial ou uma pessoa designada oficialmente para mediar contato com o divino. Os místicos não necessitam de igrejas ou templos. O contexto no qual eles experienciam a dimensão sagrada da realidade, incluindo sua própria divindade, são os seus corpos e a natureza. E ao invés de ordenar padres, eles necessitam de um grupo de apoio de colegas buscadores ou a orientação de um professor, que está mais avançado na jornada interna do que estão eles próprios. A espiritualidade envolve um tipo especial de relacionamento entre o indivíduo e o cosmos e é, em essência, um caso privativo e pessoal.

Por comparação, a religião organizada é uma institucionalizada atividade de grupo que tem lugar em um local designado, um templo ou uma igreja e envolve um sistema de oficiais marcados que pensam ou não ter tido experiências pessoais de realidades espirituais. Uma vez organizada a religião, freqüentemente, perde completamente a conexão com a fonte espiritual e torna-se uma instituição secular, que explora as necessidades espirituais humanas, sem satisfazê-las.

As religiões organizadas tendem a criar sistemas hierárquicos, focando sobre perseguição de poder, controle, políticos, dinheiro, possessões e outras preocupações seculares. Sob essas circunstâncias, as hierarquias religiosas, como regra, discordam e desencorajam experiências espirituais diretas para seus membros, porque eles criam independência e não podem ser controlados efetivamente. Quando esse é o caso, a genuína vida espiritual continua somente no ramo místico, ordens monásticas e seitas extáticas das religiões envolvidas.

Não há dúvida de que os dogmas das religiões organizadas estão geralmente em conflito com a ciência, se essa ciência usa o modelo materialista-mecanicista ou está ancorado no paradigma emergente. No entanto, a situação é muito diferente, ao considerar o autêntico misticismo, baseado na experiência espiritual. A grande tradição mística tem acumulado extensivo conhecimento sobre a consciência humana e sobre o domínio espiritual, de um modo que é similar ao método que cientistas usam para adquirirem conhecimento sobre o mundo material. Envolve metodologias para indução de experiências transpessoais, sistemática coleta de dados e validação intersubjetiva.

Experiências espirituais, como algum outro aspecto da realidade, podem estar 7 sujeitas a cuidadosa pesquisa de mente aberta e estudadas cientificamente. Nada há de não científico sobre ser imparcial e estudar rigorosamente o fenômeno transpessoal e os desafios que eles apresentam, para uma compreensão materialista do mundo. Cada abordagem somente pode responder à questão crítica sobre o estado ontológico da experiência mística. Elas revelam uma verdade profunda sobre algum aspecto básico da existência, como mantido pela filosofia perene, ou elas são produtos da superstição, fantasia ou doença mental, como a ciência materialista ocidental as vê?

Qual a importância do domínio perinatal na formação da personalidade?

A quantidade de estresse emocional e físico envolvidos no nascimento da criança ultrapassa claramente o trauma pós-natal, na tenra infância e na infância, discutida na literatura psicodinâmica, com a possível exceção de formas extremas de abuso físico. Várias formas de psicoterapia experiencial têm acumulado convincentes evidências que o nascimento biológico é o mais profundo trauma de nossa vida e um evento de importância psicoespiritual superior. É relembrado em nossa memória, em minúsculos detalhes, abaixo do nível celular, e tem profundo efeito em nosso desenvolvimento psicológico.

Reviver de forma consciente e integrar o trauma do nascimento representam importantes papéis no processo de psicoterapia experiencial e auto-exploração. As experiências originárias no nível perinatal do inconsciente aparecem em quatro distintos padrões experienciais, cada um dos quais é caracterizado por emoções específicas, sentimentos físicos e imagens simbólicas. Esses padrões estão relacionados estreitamente com as experiências que o feto teve antes do início do nascimento e durante os três estágios consecutivos do parto biológico.

Em cada um desses estágios, a criança experiencia um específico e típico contexto de emoções intensas e sensações físicas. Essas experiências deixam marcas inconscientes profundas na psique, que mais tarde têm na vida, uma importante influência na vida do indivíduo. Eu me refiro a essas quatro constelações dinâmicas do inconsciente profundo, as Matrizes Perinatais Básicas ou MPBs.

As matrizes perinatais podem formar nossa percepção do mundo, influenciando profundamente nossos comportamentos diários e contribuindo para o desenvolvimento de vários distúrbios e emocionais psicossomáticos, reforçados pelas significativas experiências emocionais da tenra infância, da infância e, mais tarde, a vida integra estas experiências em sistemas COEX. Em uma escala coletiva, podemos encontrar ecos de matrizes perinatais na religião, arte, mitologia, filosofia e várias formas de psicologia social e política e psicopatologia. 8 As implicações sociopolíticas das observações com respeito às dinâmicas perinatais são particularmente fascinantes. Eu escrevi sobre isso, pela primeira vez, em meu livro “Realms of the Human Unconscious”, em 1975. Brevemente após sua publicação, recebi uma carta entusiástica de Lloyd de Mause, um jornalista americano e psicanalista. De Mause é um dos fundadores da Psicohistória, uma disciplina que aplica as descobertas da psicologia profunda para a história e ciência política. Lloyd de Mause estava muito interessado em minhas descobertas, no que diz respeito ao trauma de nascimento e suas possíveis implicações sóciopolíticas, porque eles supriam apoio independente, para sua própria pesquisa. Por algum tempo, de Mause tinha sido estudante dos aspectos psicológicos, dos períodos precedentes às guerras e revoluções.

Interessou a ele como os líderes militares, na mobilização de massas, tinham êxito, praticamente do dia para a noite, em transformar civis pacíficos em máquinas assassinas. Essa abordagem foi muito original e criativa; somada à análise das fontes históricas tradicionais, extraiu dados de grande importância psicológica de caricaturas, piadas, sonhos, imagens pessoais, atos falhos, comentários laterais de oradores e mesmo rabiscos e garatujas de documentos de policiais à beira de rude destacamento. Por um tempo ele fez contato comigo, analisou, de dezessete modos, situações precedendo o princípio do levante de guerras e revoluções, atravessando muitos séculos desde a antiguidade até época mais recente.

Ele foi atacado pela abundância extraordinária de figuras da palavra, metáforas e imagens, relacionadas ao nascimento biológico, em seu material. Desta forma, os líderes militares e políticos, de todas as idades, descrevem uma situação crítica ou declaram guerra, tipicamente, usando termos que, igualmente, se aplicam à aflição perinatal. Eles acusam os inimigos de os estar sufocando e estrangulando, colocando para fora a última respiração dos nossos pulmões ou nos confinando e não dando espaço para viver (“Lebensraum” de Hitler). Igualmente freqüentes são alusões a cavernas escuras, túneis e labirintos confusos, abismos perigosos para dentro dos quais podemos ser empurrados, ameaçados de engolfamento pela traiçoeira areia movediça ou um terrível remoinho de água.

Similarmente, a resolução da crise vem na forma de imagens perinatais; o líder promete salvar-nos do labirinto agourento, levar-nos para a luz do outro lado do túnel e criar uma situação onde todos, novamente, respirarão livremente, após o perigoso agressor e o opressor serem superados. Desde suas primeiras pesquisas, de Mause coletou centenas de pôsteres, cartoons, discursos e outros materiais de tempos de crise, que apóiam essa hipótese. 9

 Há alguma relação entre sua teoria e as teorias de Freud e Jung?

A cartografia expandida da psique que desenvolvi, baseado em meus estudos com estados incomuns de consciência, integra a psicanálise freudiana e a psicologia analítica de Jung, mas inclui também a teoria do trauma de nascimento de Otto Rank e a compreensão dos aspectos bioenergéticos da psique de Wilhelm Reich. Todas essas teorias estão incluídas em minha cartografia, que apresenta três níveis ou domínios.

O mais superficial deles é o nível biográfico rememorativo, que meu modelo compartilha com a psicanálise freudiana e a principal corrente da psicologia e da psiquiatria. Na psiquiatria tradicional e psicologia, a psique humana é limitada a este nível. Minha cartografia da psique tem, em adição, dois domínios transbiográficos. O nível perinatal, relacionado ao trauma de nascimento, é estreitamente relacionado (embora não idêntica) à psicologia de Otto Rank. O nível transpessoal então, inclui o inconsciente coletivo de Jung, em seus aspectos históricos e arquetípicos (mitológicos) e alguns elementos adicionais não descritos por Jung.

Há alguma diferença entre espiritualidade e o inconsciente?

Há, certamente, uma conexão entre espiritualidade e o inconsciente. A genuína espiritualidade está baseada em experiências envolvendo dimensões da realidade das quais não estamos conscientes em nosso estado ordinário de consciência e que, nesse sentido, são inconscientes. Mas nem todas experiências inconscientes são espirituais em natureza e têm o que C. G. Jung chamou “qualidade numinosa”, por exemplo, o conteúdo do inconsciente individual freudiano (memórias reprimidas da tenra infância e infância) e o reviver do trauma do nascimento. Também, muitas experiências espirituais, embora tecnicamente inconscientes, poderiam ser mais apropriadamente chamadas “supraconscientes”.

Você poderia explicar mais sobre estados incomuns de consciência?

Como mencionei anteriormente, eu despendi mais de quarenta anos conduzindo pesquisas de estados incomuns de consciência. Meu primeiro interesse foi focalizado no que chamamos aspectos “heurísticos” desses estados, isto é, em que eles podem contribuir para nossa compreensão da natureza do consciente e da psique humana. Desde meu treinamento original que era como psiquiatra clínico, também dediquei atenção especial ao potencial evolucionário, transformativo e de cura dessas experiências. Para esse propósito, o termo estados incomuns de consciência é muito amplo e geral. Ele inclui uma ampla 10 variedade de condições que são de pouco ou nenhum interesse para a perspectiva terapêutica ou heurística.

A consciência pode ser profundamente mudada por uma variedade de processos patológicos – por traumas cerebrais, por intoxicações com venenos químicos, por infecções ou por processos circulatórios e degenerativos no cérebro. Tais condições podem certamente resultar em profundas mudanças mentais que poderiam relegá-las à categoria de “estados incomuns de consciência”. No entanto, tais impermanências causam “delírio trivial” ou “psicoses orgânicas”, estados que são muito importantes clinicamente, mas não são relevantes para nossa discussão.

Pessoas sofrendo de tais estados estão tipicamente desorientadas; elas não sabem quem são ou onde estão e em que datas se encontram. Somados a isso, suas funções intelectuais são significativamente prejudicadas e elas tipicamente apresentam amnésia subseqüente de suas experiências.

Tenho focado meu trabalho em um largo e importante subgrupo de estados incomuns de consciência, o qual difere significativamente do resto e representa uma fonte incalculável de novas informações sobre a psique humana, na saúde e na doença. Eles também têm um notável potencial transformativo e terapêutico. Através dos anos, as observações clínicas diárias convenceram-me sobre a natureza extraordinária dessas experiências e sobre as implicações de longo alcance que elas têm, para a teoria e prática da psiquiatria. Descobri, e é difícil acreditar, que a psiquiatria contemporânea não reconheça suas características específicas e não tenha um nome especial pra eles.

Porque sinto fortemente que eles precisam ser distinguidos do resto e colocados dentro de uma categoria especial, é que cunhei para eles um nome, holotrópico (Grof, 1992). Essa palavra composta, literalmente significa “orientada em direção à inteireza” ou “movendo em direção ao todo” (do Grego holos = todo e trepein = movendo em direção a ou movendo em direção a algo). Sugere que, em nosso estado de consciência diário, nós nos identificamos somente com uma pequena parte de quem realmente somos. Nos estados holotrópicos, podemos transcender nossos estreitos limites do corpo do ego e reclamar nossa completa identidade.

Nos estados holotrópicos, a consciência é mudada qualitativamente em uma maneira muito profunda e fundamental, mas ela não é grosseiramente prejudicada como nas condições causadas organicamente. Nós tipicamente permanecemos orientados, de forma plena, em termos de espaço e tempo e não perdemos completamente o contato com a realidade diária. Ao mesmo tempo, nosso campo de consciência é invadido pelos conteúdos de outras dimensões da 11 existência, numa maneira que pode ser muito intensa e mesmo esmagadora. Nós, então, experienciamos, simultaneamente, duas realidades muito diferentes, “tendo cada pé em um mundo diferente”.

Os estados holotrópicos são caracterizados pelas mudanças perceptuais dramáticas em todas as áreas sensoriais. Quando fechamos nossos olhos, nosso campo visual pode ser inundado com imagens advindas de nossas histórias pessoais e do inconsciente coletivo e individual. Podemos ter visões e experiências retratando vários aspectos dos reinos animal e botânico, da natureza em geral ou do cosmos. Nossa experiência pode nos levar para dentro do reino de seres arquetípicos e regiões mitológicas. Quando abrimos os olhos, nossa percepção do meio pode ser transformada, de forma ilusória, pelas projeções vividas do seu material inconsciente. Isso pode ser acompanhado – vários sons, sensações físicas, cheiros e tatos.

As emoções associadas com estados holotrópicos cobrem um muito amplo espectro, que tipicamente estende para bem além dos limites de nossa experiência diária, ambos em natureza e intensidade. Eles variam de sentimentos de arrebatamento extático, felicidade celestial e “paz que foge de toda compreensão” para episódios de terror abismal, assassinatos raivosos, pronunciada desesperança, culpa arrasadora e outras formas de sofrimentos emocionais inimagináveis. Formas extremas desses estados emocionais combinam com as descrições dos domínios celestiais ou paradisíacos e de infernos, descritos nas escrituras das grandes religiões do mundo.

Um aspecto interessante, em particular, dos estados holotrópicos é seu efeito nos processos do pensamento. O intelecto não é prejudicado, mas funciona de um modo que é significativamente diferente do modo diário de operação. Enquanto podemos não ser capaz de depender do nosso julgamento, em matérias práticas ordinárias, podemos ser literalmente inundados com notáveis informações válidas, em uma variedade de assuntos. Podemos encontrar insights psicológicos profundos no que diz respeito à nossa história pessoal, dinâmica inconsciente, dificuldades emocionais e problemas interpessoais. Podemos, também, experienciar revelações extraordinárias concernentes a vários aspectos da natureza e do cosmos, que por uma larga margem transcendem nossos antecedentes intelectual e educacional. Contudo, grande parte dos mais interessantes insights, que se tornam disponíveis nos estados holotrópicos, gira em torno de assuntos espirituais, filosóficos e metafísicos.

Podemos experienciar seqüências de morte e renascimento psicológicos e um amplo espectro de fenômenos transpessoais, tais como sentimentos de unidade com outras pessoas, a natureza, o universo e Deus. Podemos descobrir o que 12 parecem ser memórias de outras encarnações, encontros poderosos com figuras arquetípicas, comunicar com seres desencarnados e visitar numerosas paisagens mitológicas. Experiências holotrópicas dessa natureza são a principal fonte das cosmologias, mitologias, filosofias e sistemas religiosos, descrevendo a natureza espiritual do cosmos e da existência. Eles são a chave para a compreensão da vida ritual e espiritual da humanidade do xamanismo e cerimônias sagradas de tribos aborígenes das grandes religiões do mundo.

Você fez pesquisa usando o LSD. Quais as suas descobertas e conclusões?

Dediquei mais de vinte anos conduzindo pesquisa em terapia psicodélica, na Checoslováquia e nos Estados Unidos. Como resultado senti grande espanto e respeito em relação a essas substâncias – o que elas podem fazer tanto no lado positivo quanto no negativo. É importante enfatizar que elas são ferramentas poderosas que não tem benefícios intrínsecos ou propriedades prejudiciais. O resultado, é igual a todas as coisas, depende de como o homem usa essas coisas.

Em caso de psicodélicos os resultados dependem do que podemos chamar “set e setting” – quem os administra, para quem, sobre que circunstâncias e com que intenção. Eles podem ser usados como uma arma química ou quer dizer para fazer lavagem cerebral, como poderoso agente de cura ou como sacramento que pode facilitar experiências espirituais de transformação da vida.

Há alguma conexão entre sua pesquisa e o trabalho de Timothy Leary?

Realmente não. Nós nos encontramos em numerosas ocasiões, primeiro em 1965, quando eu o visitei em Millbrook e mais tarde em várias conferências, onde ambos fomos conferencistas, e também durante suas visitas ao Instituto Esalen, em Big Sur, Califórnia, mas nossa abordagem para psicodélicos era muito diferente. Ele era um colossal experimentador, tendo tomado LSD mais de mil vezes e com a exceção do seu mais novo trabalho em Harvard, suas experiências com outros eram num contexto ao acaso e sem supervisão. Ele era um brilhante pensador, mas permaneceu em seu coração um rebelde irlandês, contrário ao estabelecido, não conformista e “agente provocador”.

Eu, pessoalmente, usei psicodélicos para auto-exploração, mas numa escala muito mais conservadora. A maioria de minhas pesquisas psicodélicas foram trabalhos extensivos com outros, em um contexto clínico, primeiro no Instituto de Pesquisa Psiquiátrica, em Praga, na Checoslováquia e mais tarde no Centro de Pesquisa Psiquiátrica Maryland, em Baltimore, Maryland. Eu tentei formular minhas descobertas em artigos científicos e livros, com intenção de tornar aceita a terapia psicodélica, na corrente psiquiátrica. 13

 Você poderia falar sobre seu novo livro?

Escrevi meu mais recente livro, “Psicologia do Futuro: Lições da Moderna Pesquisa da Consciência “, a pedido da State University Press, que publicou vários de meus livros anteriores. Eles queriam que eu descrevesse, de um modo sistemático e compreensivo, minhas observações de mais de quarenta anos de pesquisa, de uma importante variedade de estados incomuns de consciência, que chamei holotrópico (literalmente movendo em direção ao todo do Grego holos = todo e trepein = mover em direção a alguma coisa). Exemplos de tais estados são os transes xamânicos ou iniciações em rituais aborígines, estados encontrados em práticas meditativas sistemáticas, episódios místicos espontâneos, experiências psicodélicas e psicoterapias experienciais com formas poderosas de auto-exploração, como, por exemplo, terapia primal, renascimento e a respiração holotrópica.

O livro, basicamente, aponta, muito especificamente, para diferentes áreas, nas quais nosso pensamento sobre a psique humana na saúde e doença deveria mudar radicalmente, para acomodar essas novas descobertas. Eu também delineio a direção e natureza das mudanças necessárias. Exemplos de tais áreas são a natureza e a origem da consciência, a arquitetura dos distúrbios emocionais e psicossomáticos e a estratégia da psicoterapia. Alguns outros problemas, descritos no livro, são a teoria e a prática da respiração holotrópica, aspectos espiritual e filosófico da morte, terapia psicodélica com pacientes com câncer, insights metafísicos da pesquisa da consciência e implicações desse trabalho em relação à crise global.

O livro poderá estar disponível no Brasil, traduzido para a língua portuguesa, no início de dezembro de 2000. Estou planejando voltar ao Brasil, no início de dezembro, para dar algumas entrevistas e autografar o livro, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Vocês poderão ter informações mais específicas sobre a edição brasileira, através do Kiu Eckstein, no Rio, que está envolvido, na tradução e negociações com o editor.