Solidão na multidão

Procurada por muitos como o ar que se respira, temida por outros como um deserto árido ou uma desgraça a ser evitada, a “Senhora de Vermelho” há algum tempo tem sido a dona das  nossas casas. Vesti-a de vermelho porque não só recorda a dor, mas é também a cor da vida e é  ela, a Solidão, que atormenta e anima as nossas existências e nos acompanha em viagens extraordinárias dentro de nós para uma nova liberdade. 

Vivemos na “civilização do espectáculo”, escreve Vargas Llosa, e sacrificamos um mundo inteiro de precioso alimento espiritual no altar do prazer e do entretenimento imediatos. A regra predominante “viver para fora” em oposição a “viver para dentro” é agora a regra que, de certa forma, nos normaliza.  Basta olhar para as redes sociais para sentir o pulso deste imenso sacrifício cultural/ético em toda a sua decadência humana.

Há algo de convincente na solidão, uma vez que conseguimos preenchê-la de conteúdos e dar-lhe uma direção. Em vez de a afastarmos ou de substituí-la por companhias desérticas que nos roubam a solidão sem nos oferecerem uma verdadeira presença, podemos aprender a habitá-la confortavelmente juntamente com os nossos antepassados ou contemporâneos: escritores, pensadores, músicos… em companhia da nossa memória e imaginação. Deixará então de ser um monólogo, mas uma solidão povoada de fantasmas amigáveis que se transforma num diálogo estimulante e inspirador.

Vivendo a solidão podemos descobrir, dia após dia, o imenso valor deste espaço aparentemente imóvel que pode revelar-se vital e povoado de “acontecimentos” surpreendentes. Fazer silêncio torna-se então algo que é muito mais do que simplesmente ficar calado. Significa criar as condições para que brote a vida interior.


[1]  Llosa, Vargas, La civiltà dello spettacolo, Einaudi, Torino, 2013