As potencialidades terapêuticas dos estados não ordinários de conscienza – a prática

 

 

Estratégia terapêutica

 

Na nossa cultura, dominada pelo paradigma científico, a respiração perdeu o aspecto “sagrado” que caracteriza as várias tradições espirituais e xamânicas; tendo sido reduzida a mera função fisiológica foi destituída do seu significado de conexão com a psique e o espírito. Todas as manifestações físicas e psicológicas ligadas às várias modalidades respiratórias passaram a ser interpretadas como patologias. A própria “síndrome da hiperventilação” que, às vezes, ocorre espontaneamente durante alguns episódios psicóticos, foi suprimida com o uso de psicofármacos, quando na realidade é um processo natural de enorme potencialidade terapêutica.

Somente nas últimas décadas os terapeutas ocidentais redescobriram o potencial terapêutico da respiração e desenvolveram técnicas que a utilizam segundo várias modalidades. A técnica desenvolvida por Grof da respiração holotrópica, consiste simplesmente no ato de respirar mais rapidamente e profundamente do que o habitual, centrando a atenção no mundo interior. Uma vez que se entra no “processo”, cada pessoa encontra o próprio ritmo respiratório. Para quem não viveu pessoalmente este tipo de experiência é muito difícil poder imaginar o que acontece durante o processo, baseando-se somente nas descrições ou argumentações teóricas.

A “estratégia holotrópica de psicoterapia” tem como princípio fundamental a ideia que os “sintomas”, tanto emotivos quanto psicossomáticos, representam uma tentativa espontânea do organismo de curar a si mesmo, superar os próprios traumas e chegar a um estado de maior equilíbrio. Este princípio da terapia holotrópica é compartilhado com a homeopatia já que ambas tendem a ativar e intensificar temporariamente os sintomas presentes e a exteriorizar os sintomas latentes, o que leva sucessivamente à sua dissolução. O sintoma é encarado como uma oportunidade de mudanças, uma tendência natural que a terapia deveria favorecer e acompanhar de perto, diversamente do que ocorre na prática tradicional, preocupada, sobretudo, com a supressão do sintoma. No curso do trabalho baseado nos princípios holotrópicos, a intensificação do sintoma é indício de progresso terapêutico, pois favorece a atuação daquilo que o organismo procurava alcançar: a superação das impressões traumáticas através da manifestação do material inconsciente e a liberação das energias emotivas e físicas a ele associadas.

Empregando meios naturais como a respiração, a música evocativa e técnicas de trabalho corporal, o método terapêutico desenvolvido por Grof passa a ser um catalizador de potentes estados não ordinários de consciência que conduzem à remoção de bloqueios bioenergéticos e à liberação de energias físicas e emotivas reprimidas. A solução do trauma – bem como a mudança que daí deriva – pode significar uma verdadeira e própria transformação da personalidade, desencadeando vivências profundas que normalmente passam despercebidas à compreensão racional. Tal solução pode ocorrer a nível biográfico, ou seja, estar relacionada a experiências e traumas infantis, à manifestação de material perinatal transpessoal. 

 

A experiência de Carla, 41 anos, apresenta elementos que vão além da reativação de vivências biográficas:

“A minha viagem começou no interior de uma floresta, uma verdadeira selva; era uma espécie de continuação das imagens de uma respiração anterior. Na minha mente se trata de uma floresta pré-colombiana, povoada por tribos primitivas. Eu fui capturada por índios de uma dessas tribos; estou enterrada no chão até o pescoço e, ao meu redor, os indígenas seminus tocam uma música ensurdecedora ritmada por instrumentos de percussão.

Comecei a me movimentar no ritmo da música; estando, porém, o meu corpo paralisado e sufocado pela terra, eu podia mexer somente a cabeça e a balançava, de fato, de modo intenso, para lá e para cá, seguindo o ritmo das batidas. Paulatinamente a música vai se tornado mais alta e envolvente, e, tentando dançar, eu me agito num crescente … e danço, danço como se esse fosse o único modo de salvar a minha vida. 

Lentamente, eu consigo puxar os meus braços para fora e depois o corpo todo; ao invés de desespero, a dança se torna um momento de liberação. Rodeada pelos indígenas, eu danço numa clareira; e, à minha maneira, me sinto quase feliz. No alto, o céu é azul, sulcado por nuvens brancas que se cruzam com as copas das árvores altíssimas da floresta. Mais no alto, para além do céu, vejo um grande olho azul que me fita ambiguamente; o olhar é um misto de proteção, ironia ou talvez ainda de bondade e crítica. O olho azul impassível e gélido me seguirá ao longo de toda a experiência. 

Continuo a dançar até que, exausta, eu caio no chão, sentindo come se estivesse me transformando num animal; sou um animal rastejante, talvez uma serpente ou uma cobra, e com grande dificuldade rastejo pela vegetação, procurando evitar outros animais agressivos (um deles me esmaga quase ao ponto de interromper a minha respiração); de repente eu chego num lugar onde a terra dá impressão de acabar, parece um precipício. Olho para baixo, e assustada, percebo que estou na borda de um abismo circular, cuja forma é semelhante a uma cratera vulcânica.

No fundo da cratera ferve uma substância negra, densa e pegajosa; parecendo piche a substância dá forma a vários círculos concêntricos que convergem num único ponto central. Naquele momento da experiência, pela primeira vez em absoluto, sinto o meu corpo separado de mim mesma, insensível; sou invadida por um impulso muito forte de me jogar dentro daquela tenebrosa e densa voragem que me atrai de forma magnética, quase irresistível. Quando estou prestes a me jogar, alguém me toca ou eu toco algo e readquiro a consciência do meu corpo e da realidade externa; naquele exato momento, o desejo de me atirar se dissipa… Não consigo mais; embora eu tente intensamente recriar aquele átimo mágico, permaneço na orla do abismo e, contemplo desiludida, a minha impotência.”

Muitas pessoas, num momento específico da sua existência, se dão conta de um certo “estrangulamento da vida ”; percebem que agem e se expressam muito aquém das próprias potencialidades criativas e existenciais. Este sentimento forte que invade a consciência, leva a uma inversão de rota nos processos intrapsíquicos; as energias psíquicas – que até então eram investidas no mundo externo – são dirigidas para o mundo interior: quando se recolhem à sua “introversão” as energias psíquicas vão à procura de algo que se perdera. Jung o considera um processo natural, típico da segunda metade da vida. Durante essa nova etapa existencial, começam a brotar na consciência conteúdos incoscientes investidos de forte carga emotiva que podem interferir – de forma mais intensa ou não – no viver cotidiano; às vezes tais conteúdos repercutem somente em alguns setores da vida como é o caso dos relacionamentos, do trabalho ou da sexualidade, mas outras vezes repercutem de forma maciça em todos os aspectos da existência ou na própria relação com a realidade.

As proporções desta interferência estão relacionadas diretamente ao momento no qual ocorreram os traumas mais importantes na vida da pessoa e determinam se o processo atingirá proporções neuróticas (traumas mais tardios na infância) ou psicóticas (traumas ligados a estados mais precoces). Esta irrupção de material inconsciente provoca uma crise que pode significar uma ocasião para solucionar os traumas e estimular uma transformação psicológica.

A música

Desde os primórdios dos tempos a música evocativa tem tido um papel muito importante na indução ao transe. Os batidos monótonos dos tambores e os cantos têm acompanhado desde sempre os rituais iniciáticos e propiciatórios em várias partes do mundo. Também na terapia holotrópica a música exerce um papel fundamental. Deve ser potente e evocativa, de preferência música de ótima qualidade artística, com poucas referências concretas (os trechos vocais devem ser em idiomas desconhecidos). Devem ser evitadas músicas dissonantes e ansiógenas, e, como característica comum, as músicas devem ser, na maioria das vezes, desconhecidas por parte do grupo de respirantes. A duração da nossa “trilha sonora” é de três horas sendo composta de músicas que pertencem a vários gêneros: étnicas, sagradas, instrumentais, “sons da natureza”, músicas “new age”, cantos orientais etc. 

O emprego da música no nosso contexto é muito diferente da audição intelectualizada a qual normalmente estamos acostumados quando vamos a um concerto ou peça teatral. A música presente nos nossos encontros é uma música mais livre, capaz de envolver e desaprumar; é mais parecida, portanto, com a seleção musical de um concerto de rock. É importante se entregar completamente ao ritmo da música, deixá-la “entrar em nós” e reagir de modo livre e espontâneo, permitindo assim, que o organismo expresse tudo aquilo que a música catalisa dentro de si; tanto do ponto de vista físico quanto do ponto de vista emotivo, devemos dar vasão, “colocar para fora” gritos, risadas, cantos, sons e vozes infantis ou de animais, movimentos rituais, murmúrios que podem chegar até a uma língua desconhecida etc. Também é possível que ocorram mímicas exageradas, tremores e convulsões, movimentos eróticos, contorções do corpo e do rosto etc. Neste contexto a música exerce várias funções importantes: ao mobilizar as emoções ligadas a lembranças adormecidas e traumas removidos, a música ajuda a abrir as portas do inconsciente facilitando a sua manifestação e aprofundando o processo de cura; favorece ainda uma forma de “insight” dinâmica e estética e, por último, mas não menos importante, a música ajuda a cobrir todas as espécies de barulhos (soluços, choros, gritos) produzidos pelos participantes durante a experiência.

 A sessão se abre com músicas dinâmicas, fluídicas e prossegue, durante a primeira hora, com músicas “celebrativas”. Em seguida, aumenta de intensidade num crescente, lançando mão de trechos musicais que induzam ao transe; tais trechos são extraídos das tradições rituais primitivas, xamânicas, são músicas “fortes” de ritmo muito intenso. A segunda hora é composta de músicas evocatórias de intensos estados de ânimo, músicas “épicas”. Cerca de uma hora e meia após o início da sessão, no apíce da experiência, são introduzidas músicas que chamamos de “músicas de ruptura”; tais músicas vão desde trechos intensos e dramáticos extraídos de trilhas sonoras cinematográficas até músicas sagradas como missas ou réquiens. A melodia desta passagem é caracteristicamente marcada pelo som de uma “onda que se quebra”. Durante a segunda metade da sessão a intensidade emotiva das músicas gradualmente diminui indo na direção de “músicas do coração”, músicas que “tocam a alma”. Na terceira hora prevalecem músicas meditativas, que convidam ao relaxamento; nesta última etapa todas as músicas são bastante diáfanas e delicadas, acompanhando desta forma o lento retorno ao estado ordinário de consciência.

As cinco fases musicais da sessão podem ser divididas da seguinte forma:

1- músicas de abertura

2- músicas para induzir ao transe

3- músicas de ruptura

4- músicas do coração

5- músicas meditativas

Músicas de autores como Peter Gabriel, Vangelis, Mickey Hart, Gabrielle Roth, Ennio Morricone, Scott Fitgerald, Talku, Sainkho etc., são muito utilizadas na seleção das trilhas sonoras que acompanham as sessões de respiração.

A experiência

No âmbito holotrópico o termo “terapeuta” não prevê uma ação ativa junto ao paciente, mas é usado no sentido grego tradicional, isto é, na holotropia o terapeuta é uma “pessoa que assiste alguém durante o seu processo de cura”. Assim sendo, durante as sessões holotrópicas cabe ao terapeuta acompanhar a experiência do respirante; o seu papel é apoiá-lo, porém, sem influenciá-lo ou manipulá-lo, mesmo quando o processo em curso não é compreendido imediatamente.

Após a experiência, pode ocorrer que os “insights” correspondentes venham à tona numa próxima sessão, durante um sonho ou simplesmente como um “vislumbre repentino” durante o estado di vigília. Para ser capaz de seguir de perto a intensidade e dramaticidade de certas experiências, dando-lhes sustentação, o terapeuta deve possuir uma habilidade específica com os estados não ordinários de consciência e ter plena confiança no seu potencial terapêutica o que deriva da sua experiência e lembrança do próprio percurso terapêutico.

Antes que a sessão de respiração tenha início, num determinado momento da atividade que a antecede, isto é, durante os exercícios de grupo de “abandono” e “confiança”, é previsto que os participantes “se escolham” formando “duplas”; o critério da formação das duplas deve se basear na empatia e na confiança existentes entre os seus integrantes. Ao longo dos próximos dois dias, cada componente da dupla se alternará nos papeis de experienciador (“respirante) ou de assistente (“sitter”). O “sitter” é aquele que está ao lado do parceiro enquanto ele “respira”, lhe dá anteparo e apoio durante a “viagem”. A experiência como “sitter” é complementar àquela de respirante, sendo também ela catalisadora de intensos estados de ânimo. Segundo a declaração de alguns respirantes, a experiência como “sitter” é também muito importante, sendo parte integrante do processo como um todo.

Durante a sessão holotrópica se ativam reações físicas de complexa estrutura psicossomática, as quais normalmente possuem um profundo significado psicológico e individual que é específico de cada um dos indivíduos. Às vezes, estas reações representam uma versão intensificada de tensões e dores da vida cotidiana; outras vezes aparecem como reativação de antigos sintomas de um estado precedente da vida do respirante. Outras vezes ainda, a mensagem enviada através de uma específica linguagem corporal pode representar um importante “insight” para aquela específica pessoa naquele dado momento. A tensão física pode ser diluída de dois modos: o primeiro modo se dá através da catarse e da ab-reação (já muito conhecida por S. Freud e J. Breuer) onde a energia é liberada por meio do pranto, movimentos, tremores, espasmos, gritos, vômito etc. Na segunda modalidade, as tensões vêm à tona e são “consumidas” por meio de contrações musculares, liberando assim o organismo. Estas manifestações físicas são normalmente seguidas de um profundo relaxamento.

Quando permanecem tensões residuais ou vivências emotivas não completadas e, portanto irresolutas, os terapeutas podem intervir através de técnicas específicas que tratarão de liberá-las, levando a completamento a experiência. A estratégia geral do trabalho corporal é intensificar as sensações físicas, presentes nas partes interessadas do corpo, com uma apropriada intervenção externa e com a ajuda do respirnte, aumentando-as cada vez mais, até que se dissolvam completamente.

Durante a realização das sessões respiratórias emprega-se também uma forma de intervenção cujo intuito  é oferecer apoio a nível muito profundo, pré-verbal. O trauma relacionado a este tipo de dificuldade é um trauma de “omissão” cujas raízes se encontram em situações de abandono, privações emotivas e na ausência de satisfação da necessidade de experiências positivas e essenciais a um saudável desenvolvimento psicológico: acolhimento, confiança, aceitação que geralmente se expressam através do contato físico. É possível constatar que o participante está vivendo uma regressão profunda quando observamos o desaparecimento das rugas do rosto, e tanto a expressão como muitas vezes o comportamento parecem aqueles de uma criança, com reações e gestos que incluem também o choro infantil ou movimentos de sucção.

Quando, durante a experiência, num momento de profunda regressão, se retorna ao lugar da privação, o único modo possível de superar semelhantes traumas é viver, naquele exato instante, uma experiência corretiva que se expressa por meio de um contato físico que a ampare. Antes do ínicio da sessão deverá ser combinado, com a “aprovação do participante”, o tipo de contato físico que poderá ser utilizado. Este apoio físico pode ser um toque com as mãos, um afago, ou um longo abraço; deverá ser usado exclusivamente para satisfazer as necessidades do respirante e jamais para atender as necessidades dos “sitter” e terapeutas.

 A experiência de Sabrina, 25 anos é um bom exemplo deste tipo de intervenção que pode ocorrer durante a sessão holotrópica:

“… respiro após respiro os meus músculos se enrijecem cada vez mais (a origem de tudo estava no peito); eu me tornei um pedaço de madeira, comecei a tremer e, no entanto, não sentia frio… Não conseguia controlar os meus músculos, eu via várias coisas sob um fundo preto: um farol de luz branca se torna uma voragem e dela vejo sair um pássaro branco. Eu não conseguia parar de tremer e ficava cada vez mais forte. Era quase como se tivesse convulsões, e sentia palpitações fortes que vinham do meu peito e da boca do estômago; eu precisava chorar, mas não queria: houve uma luta entre o meu corpo e a minha recusa em deixar as lágrimas caírem… continuava a respirar procurando controlar as reações que vinham do meu corpo todo. De repente, senti a necessidade de me levantar e de tocar naquele MURO. No instante em que o toquei, as pulsações e o meu corpo sobrejuram a minha vontade de não chorar. Ainda hoje é muito viva a sensação provada quando o meu corpo encostou-se ao muro, me lembro claramente do som do meu pranto sufocado…. ainda hoje tais lembranças me emocionam profundamente… eu sentia PENA DE MIM; SENTIA UMA GRANDE TRISTEZA POR MIM MESMA. 

Concentrando-me novamente na respiração, voltei a me deitar e então, o meu corpo recomeçou a tremer cada vez mais forte, parecia que eu não conseguisse controlar nem mesmo a minha respiração. Houve momentos em que sofri de apneia; era como se eu fosse um recipiente vazio, sentia somente os meus limites. Eu me lembro perfeitamente da intensa sensação de PAZ que me invadia, e embora NÃO SENTISSE O BATER DO MEU CORAÇÃO, não tinha mais medo.

Depois de um tempo, a respiração se concentrou na boca do estômago; Virginia pressionou o meu estômago com força e fez um gesto como se arrancasse do meu ser o peso que naquele momento me inquietava, era uma dor interna, não física. Quanto mais Virginia pressionava mais se ouvia o som do meu choro (eu não conseguia me reconhecer, não era a minha voz). O peso que eu sentia era como se fosse um nó cego que não desatava; depois foi como se o meu corpo se rendesse e me lembro de ter dito algo como: É INÚTIL NÃO VAI EMBORA; QUER FICAR AQUI!!” Virginia interrompeu a compressão e eu me encolhi toda. Podia ver uma variedade de  coisas: uma cobrinha amarela de cabeça avermelhada; dois olhos grandes e bonitos (a única imagem que associei a Marco); duas pessoas que, de costas para mim, se casavam numa igreja; depois um lindo botão de rosa, rendado de uma luz branca, que me acalmava. Tirei a venda que cobria os meus olhos; queria desenhar o botão de rosa, era tão bonito.

Virginia me perguntou se eu tinha acabado a minha experiência; a minha resposta foi negativa – eu queria continuar deitada por mais um tempo; peguei o cobertor e me aproximei da parede, tinha necessidade de aconchegar o meu corpo perto de algo. Foi naquele momento que Virgina me abraçou, foi um abraço muito forte e me lembro de ter chorado; eu também a abracei e foi um ABRAÇO BELÍSSIMO. Não me preocupava com aquilo que ela poderia pensar de mim, eu sabia que naquele momento ela estava ali por mim. Eu não posso me soltar desta maneira com a minha família, pois, certamente, minha mãe morreria de preocupação, sofreria muito; por outro lado, meu pai ficaria bravo comigo, pois ele espera que eu seja sempre muito forte…”

As manifestações físicas e emotivas que ocorrem durante a sessão holotrópica variam notavelmente dependendo de cada pessoa e de uma sessão para outra. Certos participantes permanecem imóveis e parecem adormentados; outros se agitam e mobilizam o corpo todo, em movimentos complexos: tremores, contorsões, espasmos etc. Alguns outros assumem posições fetais ou engatinham; parecem estar nadando, escavando ou escalando algo, emitem sons e fazem movimentos de animais. Outros ainda efetuam complexos rituais primitivos ou sagrados de diferentes culturas e, às vezes, mesmo quando não são praticantes do yoga, se servem de certas posições de tal prática e dos característicos gestos das mãos. 

As emoções que emergem durante o processo são de vários tipos e intensidades; as sensações experimentadas vão desde a paz absoluta, serenidade, beatitude, êxtase até o terror paralisante, terríveis sentimentos de culpa, agressividade primitiva cuja intensidade transcende as emoções que podemos experimentar ou imaginar durante o estado ordinário de consciência. Emoções tão intensas assim estão associadas a experiências de natureza perinatal ou transpessoal. Embora as emoções de tipo biográfico, ligadas a lembranças ou experiências traumáticas da infância, sejam às vezes muito intensas, elas sempre permanecem próximas das emoções que conhecemos na vida cotidiana: raiva, tristeza, medo, vergonha, surpresa, amor, alegria, pena, culpa, ansiedade etc.

Na experiência de Maurizio, 44 anos, vêm à tona imagens e símbolos da transformação:

“Tudo começa com uma leve perda de sensibilidade das mãos e pernas. De repente, me invade uma sensação de perda de peso e de referências espaciais; eu me vejo flutuar no ar, sem peso e completamente às escuras. Depois, vejo uma luz esférica laranja circundada de azul escuro com braços espiralados, como se fosse uma galáxia; começo a me movimentar cada vez mais rapidamente na direção daquela luz até que a velocidade é muito forte e me sinto como se eu fosse uma bala disparada na direção daquele alvo. A sensação de velocidade é tão intensa que não sinto mais a pele … Paulatinamente o meu corpo também não existe mais e se torna um núcleo de “energia” que continua viajando na direção da luz, do centro cor de laranja. Depois, abruptamente, conectado também a uma sequência de notas musicais que se ouvem ao longe, estou parado e imóvel, sem corpo, no vácuo; irradio uma alegria incontida que se expande e ocupa todo o espaço sem fim e estou chorando e rindo de alegria, e chorando novamente; o sentimento de felicidade é muito grande. Estou realmente bem e a sensação dura por um tempo bastante longo, como se as minhas forças tivessem sido sugadas após uma batalha duríssima travada ao longo da experiência holotrópica anterior. O retorno é maravilhoso, suave e lento, sem traumas. Ao longo do dia, tais sensações continuam comigo e me fazem companhia, me sinto cheio de energia, e, de fato, estou cheio de energia.”

Depois que a pessoa se libera dos bloqueios “psicofísicos” e dos traumas removidos, recuperando, num certo sentido, a integridade da vida emotiva, a psique se torna mais forte e “funciona” de modo mais límpido e natural; é possível, portanto, que aflorem importantes vivências de grande significado filosófico e religioso. Nestes casos o estado ao qual se foi induzido por meio da respiração não traz à tona tensões psíquicas nem fortes emoções, mas sim experiências surpreendentes: relaxamento, profundo bem-estar, êxtase, expansões da consciência ou visões de luz, sentimentos de amor e união com a humanidade, com a natureza, com o cosmo, com Deus. Estes estados particulares de consciência podem emergir mesmo no final de uma sessão que tenha sido muito intensa e turbulenta. Seja como for, quando se encerra uma sessão holotrópica o estado de ânimo típico é de liberação, bem-estar e relaxamento físico cuja essência para alguns é algo “jamais experimentado até então”.

Elaboração e integração

No final da sessão, depois que o respirante tiver voltado lentamente ao estado ordinário de consciência, o seu “sitter” o acompanhará ao local onde as pessoas desenham os mandalas e, então, ele será convidado a expressar graficamente a sua experiência numa grande folha branca, preferivelmente dentro de um círculo já desenhado. O participante pode também optar por representar a experiência através de uma colagem, recortando ilustrações de revistas e colando-as na folha; é possível ainda representá-la combinando o uso das duas técnicas. Outras possíveis alternativas são os jogos com areia de Dora Kalff e a escultura em argila, modalidade esta empregada particularmente pelos respirantes cegos.

Em seguida, quando, de uma forma ou outra, todos os membros do grupo tiverem expressado graficamente a própria experiência, elas serão compartilhadas na companhia do terapeuta: sentados em círculo, cada participante é encorajado a contar o mais livremente possível as próprias vivências a um grupo normalmente muito atento e receptivo. Não se fazem, porém, intepretações, pois, dada a profundidade e complexidade de cada uma das vivências, qualquer tentativa de interpretação poderia não somente reduzir ou “congelar” o processo como também interferir no natural percurso terapêutico. Às vezes, se revelam úteis as amplificações de tradição junguiana, como, por exemplo, comentar análogos motivos mitológicos.

A respiração holotrópica pode ser combinada a uma ampla gama de diferentes formas terapêuticas ou expressivas como a psicoterapia verbal, o trabalho corporal, o psicodrama, o yoga, a dança, a pintura etc, constituindo um conjunto terapêutico que favorece profundas transformações psicológicas e a evolução da personalidade.