O meu amigo no fundo do mar

(Um documentário da Netflix)

                                                por Virginia Salles

 

Respeito, humildade e um coração aberto caracterizam a abordagem de Craig Foster quando ele entra na floresta subaquática de Kelp na Cidade do Cabo, na costa da False Bay, na África do Sul. Durante uma grave crise existencial, Craig, um homem de meia-idade, decide regressar às suas raízes e mergulhar livre  nesse fantástico e insidioso mundo das profundezas: as águas geladas do Oceano Atlântico. 

Dia após dia, Craig explora, juntamente connosco espectadores, o fundo do mar em busca de um contato com o “alieno”, um contato que milagrosamente acontece: o “monstro”, o “totalmente outro”, neste caso é um cefalópode fêmea, em termos simples, um polvo. A sua atitude de pura maravilha e curiosidade genuína faz com que o próprio polvo o conduza ao seu mundo fascinante e impiedoso.

 

O “monstro” tem um olho estranho que parece uma janela da qual podemos vislumbrar algo que vai além do abismo que o separa do que definimos como humano. É através desta fenda que o protagonista é capaz de fazer contacto e penetrar os segredos daquela vida inteligente que luta pela sobrevivência, capaz de truques inimagináveis, de explorar o fundo do oceano e de brincar. 

My Octopus Teacher, ou, em italiano, Il mio amico in fondo al mare, realizado por Pippa Ehrlich e James Reed é um filme pungente, bem merecido vencedor do Óscar de Melhor Documentário de 2021. Um filme poderoso que nos captura até as entranhas e nos faz sentir próximos, humanamente próximos de algo que até esse momento não nos poderia parecer mais “estranho”. Craig, através desta relação tão especial e tão intensa, consegue entrar em contacto não só com “o alieno”, mas também consigo próprio e encontrar-se de novo. A voz quebrada e a emoção do protagonista expressam toda a aceitação e o apego de que um ser humano é capaz.

E nós, os espectadores? Suspensos num mundo intemporal, entre a maravilhosa filmagem subaquática, a música de Kevin Smuts e a narração de Foster, sentimo-nos, como diante de uma obra de arte, a atravessar as portas de outro mundo… afastados dos hábitos da vida quotidiana e chamados à reflexão. A emoção é verdadeiramente inevitável.